Sem sintomas não há doença endócrina. Devemos ser criteriosos
na escolha de testes endócrinos que pedimos ou mesmo pensar se fará sentido
solicitá-los.
No diagnóstico de doenças endócrinas nem sempre o
laboratório ou o que nos chega dele, parece ajudar. Muitos de nós já tivemos um
paciente que tinha tudo para ser hipotiroideu mas o doseamento hormonal vem
normal ou com resultados aparentemente discordantes. Outras vezes são as
unidades dos doseamentos que vêm diferentes - pensamos em µg/
dL e vêm em nmol/L -, intervalos de
referência diferentes, conclusões de resultados com as quais nem sempre
concordamos; em que tubos enviar, que quantidade, que acondicionamento… enfim
muitas dúvidas.
E que teste escolher? Basta estudar com algum detalhe uma
doença endócrina para rapidamente nos depararmos com uma panóplia de testes
endócrinos. Escolher testes de triagem – triagem é um termo adoptado pela
medicina da linguagem de competição automobilística - o que devemos retirar de
uma análise dita de triagem tem uma boa relação
custo, praticabilidade, tempo de resposta e sensibilidade/ especificidade. São
os testes a escolher numa primeira abordagem e são fiáveis.
Relembrando: sensibilidade é a capacidade de um teste em
detectar um paciente com a doença endócrina e
especificidade é a capacidade do teste em dar como negativo um animal sem
doença. O ideal seria ter um teste 100% sensível e 100% específico. Os testes
de triagem tem sensibilidades e especificidades altas.
Análises de triagem: doseamento de TT4/ TSH no hipotiroidismo; teste de estimulação com ACTH no
hiperadrenocorticismo e hipoadrenocorticismo; TT4 no hipertiroidismo; cálcio
ionizado nas hiper e hipocalcemias; IGF-1 na acromegalia e dwarfismo pituitário;
aldosterona e renina sérica no hiperaldosteronismo; quociente insulina sérica/
glicose no insulinoma; prova de ADH (DDAVP) na diabetes insípidos; ecografia e
pressão arterial em crise no feocromocitoma.
Relativamente
à diabetes mellitus: o
teste de estimulação com arginina IV usado em medicina humana, tem elevada sensibilidade para provar a
presença de função residual das células beta , mas não nos gatos! Em 2011
apareceu o primeiro teste ELISA para
insulina canina, mas ainda sem valores de referência canina... penso que estes
2 dados são suficientemente esclarecedores de como ante mortem é impossível
saber se há ou não células beta e se temos um diabético tipo I ou II. Em cães
diabéticos, mesmo
os infiltrados inflamatórios nos ilhéus pancreáticos e os anticorpos anticélulas beta só aparecem em respectivamente
46% e 50% dos casos.
Resumindo:
cães terão diabetes tipo I (insulinodependentes); gatos terão diabetes tipo II
(insulinoindependentes embora 70% requeiram insulina numa fase inicial) os que reverterem serão confirmadamente tipo II e os
que não reverteram poderão ser tipo I ou II; cães e gatos com história de
progestagéneos, glucocorticoides, acromegalia, hiperadrenocorticismo,
pancreatite, diestro, ou seja, doenças
que comprovadamente estão associadas a insulinoresistência ou destruição de células
beta terão diabetes mellitus tipo III.
Perante um animal muito suspeito de ter doença endócrina com
valores normais de testes endócrinos de triagem, a regra de uma forma geral é que: um valor
normal na metade superior do intervalo de referência para doenças hiper e na
metade inferior para doenças hipo, não descartam a doença. O que fazer? Testar novamente
passadas algumas semanas ou pedir testes complementares.
Durante o tratamento é fundamental a realização de análises
para uma monitorização adequada. Relativamente aos doseamentos hormonais a
regra passa pelos hipo estarem no limite superior e os hiper no limite inferior
de referência.
Os detalhes importam
na realização dos testes endócrinos. Muitas das hormonas respeitam o ciclo circadiano, pelo que o seu doseamento
deverá respeitar algumas regras, como a recolha
ser feita idealmente 4 a 6h após administração do fármaco, como no caso
da levotiroxina ou trilostano; a administração de dexametasona, em vez de metilprednisolona, na
crise de hipoadrenocorticismo para não interferir com o teste de estimulação
com ACTH.
Há alterações orgânicas e medicações que interferem em muitos
doseamentos hormonais. Devemos lembrar-nos disso, por exemplo, em azotémia,
anemia, hemoconcentração, administração de glucocorticóides, fenobarbital, sulfonamidas e anti-inflamatórios não
esteróides.
Algumas raças têm valores fisiológicos fora do intervalo de
referência, como o caso dos galgos, com as suas concentrações de hormonas
tiroideias tradicionalmente baixas.
Como muitos colegas dizem: as hormonas são um mundo…
mas depende de nós simplificá-lo! Realizar protocolos individuais por cada e
para cada um de nós (só assim funcionam) para cada doença endócrina poderá ser
um caminho.
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