segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Exame citológico de fígado: quando e porquê?


Exame citológico de fígado: quando e porquê?
Artigo da autoria de:
Filipe Sampaio DVM, MSc
Laboratório Veterinário INNO
filipesampaio@inno.pt


O exame citológico do sistema hepatobiliar é frequentemente utilizado como um apoio de outros exames complementares (i.e., exames clínico e bioquímico, ecografia abdominal, etc.). Nalguns casos, pode fornecer um diagnóstico definitivo ou estruturar uma lista de diagnósticos diferenciais e orientar o Médico Veterinário para a realização de análises adicionais. Trata-se de um exame pouco invasivo, económico e poderá não requerer anestesia.

As indicações para a realização de citologia de fígado incluem: aumento dos valores bioquímicos das enzimas hepáticas, alterações ecográficas como hepatomegália, alterações de ecogenicidade ou presença de massas, ou estadiamento de certas doenças neoplásicas. A principal contraindicação assenta em animais com funções hemostáticas comprometidas essencialmente devido a risco hemorrágico acrescido. Por isso, a avaliação prévia do perfil de coagulação e hemograma (nomeadamente a contagem plaquetar) são recomendadas nestas situações.

Um estudo de Fleming KL et al. (2019) avaliou a qualidade citológica de colheitas hepáticas realizadas pelos métodos aspirativo e não aspirativo, num conjunto de cães de diferentes raças, idades e sexos. Os resultados demonstraram uma maior prevalência de amostras diagnósticas quando a técnica não-aspirativa era usada (93,9%), comparativamente à técnica aspirativa (81,5%). Estes resultados poderão ser explicados pela rutura celular e maior hemodiluição provocada pela aspiração do tecido hepático, que é naturalmente muito vascularizado.

Em termos citológicos, diversos processos como neoplasias primárias ou metastáticas, infeções focais, síndrome de lipidose hepática felina, hepatopatia provocada por corticosteroides e amiloidose poderão ser facilmente diagnosticados. No entanto, a citologia não permite uma clara distinção entre patologias inflamatórias focais e doenças crónicas progressivas, nem a sua extensão. Nestes casos poderá ser necessário recorrer a exame histopatológico para determinar a gravidade, prognóstico e planos terapêuticos adequados.


Bibliografia consultada:

Fleming KL, Howells EJ, Villiers EJ, Maddox TW. A randomized controlled comparison of aspiration and non-aspiration fine-needle techniques for obtaining ultrasound-guided cytological samples from canine livers. The Veterinary Journal 252: DOI : 1016/j.tvjl.2019.105372, 2019.
Raskin RE, Meyer DJ. Canine and feline cytology – A Color Atlas and Interpretation Guide. 3°edição Elsevier Saunders, St.Louis, Missouri. Pp. 259-260, 2016
Cowell RL, Tyler RD, Meinkoth JH, DeNicola DB. Diagnostic cytology and hematology of the dog and cat. 4°edição Mosby Elsevier, St.Louis, Missouri. Pp. 345-356, 2014

terça-feira, 15 de junho de 2021

Padrões de resistência antimicrobiana de bactérias isoladas exsudados auriculares de animais de companhia em Portugal


Otite externa
Artigo da autoria de:
Andreia Garcês DVM, MSc, PhD
Laboratório Veterinário INNO
andreiagarces@inno.pt


A otite externa é uma das doenças mais comuns em animais de companhia, em particular nos cães [1]. O seu diagnóstico é feito com base na história do animal, exame otoscópico da membrana timpânica e sinais clínicos como eritema, edema, odor fétido e prurido. É uma doença de etiologia multifatorial, sendo as leveduras e bactérias a principal etiologia [2,3]. Citologia, cultura microbiológica e testes de suscetibilidade antibacteriana são necessários para um correto diagnóstico e tratamento.

Foram analisadas todas as culturas microbiológicas de exsudados auriculares de cães e gatos submetidas ao Laboratório Veterinário INNO entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019. Apenas os isolados positivos com crescimento bacteriano foram selecionados.

Um total de 2715 amostras tiveram resultado positivo para crescimento bacteriano. Das amostras positivas, 76,6% eram culturas puras e 23,4% mistas. No total, 3544 agentes foram isolados.

Os animais com infeção eram na sua maioria machos (56%). A classe de idade mais afetada foi entre 6-11 anos (34,8%), seguido dos animais jovens com 0-5 anos (29%). As raças de cães mais afetadas por otite foram o Golden Retriver (n=540), animais sem raça definida (SDR) (n=484) e buldogue francês/inglês (n=228). A raças de gato mais afetadas foram o europeu comum (n=125) e o persa (n=26). Estes resultados seguem em linha com o que encontra descrito na bibliografia em que os cães de raças com orelhas pendulares, hipertricose e excesso de humidade possuem predisposição para desenvolverem otite externa [2]

O principal agente etiológico isolado foi a Staphylococcus pseudointermedius (29,7%, n=1027), seguido da Pseudomonas aeruginosa (14,6%, n=506). Dos 1027 S. pseudintermedius e 121 S. aureus isolados, foi observado que 9% (44 em 503 testados para oxacilina) são S. pseudintermedius resistente à meticilina (MRSP), e 6% (3 em 51 testados para oxacilina) são S. aureus resistente à meticilina (MRSA). Cerca de 26% das S. aureus e 17 % S. pseudintermedius eram MDR. No caso de Pseudomonas aeruginosa 17 apresentavam resistência a carbapenemes., e 277 eram MDR (54,7%).

Relativamente à sensibilidade antimicrobiana, observamos que existe um predomínio de resistência aos antibióticos da categoria D. Na categoria D, inserem-se as classes de antibióticos utilizados como primeira linha de tratamento, como penicilinas, tetraciclinas, sulfonamidas entre outros [4]. Ao longo dos três anos de estudo foi possível observar que tem vindo a aumentar a resistência a antibióticos da categoria C. A utilização de antibióticos desta categoria deve ser feita com cuidado e limitada a situações em que não há alternativas da categoria D. Na categoria B e A para o período de estudo parece que tem vindo a diminuir o número de resistências, que é uma tendência que se deve tentar manter, uma vez que nestas duas categorias estão incluídas classes de antibióticos que são importante para medicina humana e alguns cujo uso é proibido em animais [4].

Os resultados obtidos neste estudo mostraram que em Portugal as otites de origem bacteriana seguem a mesma tendência que em outros países [1,2,5] e ajudam a compreender a situação a nível nacional, onde os estudos nesta área são quase inexistentes. Para além disso, realçam a importância de uma avaliação clínica individualizada nos quadros de otite externa e média em pequenos animais, reforçando a importância da realização de exame microbiológico e antibiograma como forma de selecionar o tratamento mais adequado e combater o aumento de bactérias multirresistentes.


Bibliografia consultada:

1 - Colombini S, Merchant SR, Hosgood G. Microbial flora and antimicrobial susceptibility patterns from dogs with otitis media. Vet Dermatol. 2000;11(4):235–9.
2 - Almeida MDS, Santos SB, Mota ADR, Da Silva LTR, Silva LBG, Mota RA. Isolamento microbiológico do canal auditivo de cães saudáveis e com otite externa na região metropolitana de Recife, Pernambuco. Pesqui Vet Bras. 2016;36(1):29–32.
3 - Oliveira LC, Brilhante RSN, Cunha AMS, Carvalho CBM. Perfil de isolamento microbiano em cães com otite média e externa associadas. Arq Bras Med Vet e Zootec. 2006;58(6):1009–17.
4 - Categorisation of antibiotics used in animals promotes responsible use to protect public and animal health | European Medicines Agency [Internet]. [cited 2020 Mar 2]. Available from: https://www.ema.europa.eu/en/news/categorisation-antibiotics-used-animals-promotes-responsible-use-protect-public-animal-health
5 - De Martino L, Nocera FP, Mallardo K, Nizza S, Masturzo E, Fiorito F, et al. An update on microbiological causes of canine otitis externa in Campania Region, Italy. Asian Pac J Trop Biomed [Internet]. 2016;6(5):384–9. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.apjtb.2015.11.012

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Anemia por deficiência em ferro


Microbiologia - urina
Augusto Silva, DVM
Laboratório Veterinário INNO
augustosilva@inno.pt


O desenvolvimento de anemia por deficiência em ferro desenrola-se em 3 etapas, que podem ser caracterizadas através de diferentes achados laboratoriais (tabela 1).

  1. Como consequência de um aporte nutricional insuficiente (raro) ou por perda externa crónica de sangue, ocorre uma deficiência em ferro. Nesta fase, a única alteração é a diminuição do ferro na medula óssea, visualizada como hemossiderina em esfregaços de medula corados com azul da Prússia.

  2. Quando se esgotam as reservas de ferro na medula óssea, começa a ocorrer eritropoise deficiente em ferro e o ferro sérico e a % de saturação da transferrina começam a diminuir.

  3. No último estádio, surgem eritrócitos microcíticos e hipocrómicos - está estabelecida a anemia por deficiência em ferro.
Tabela 1. Desenvolvimento de anemia por deficiência em ferro Tabela 1. Desenvolvimento de anemia por deficiência em ferro

Durante a perda aguda de sangue, as reservas corporais de ferro são geralmente suficientes para responder a uma eritropoiese acelerada, pelo que a anemia por deficiência em ferro só se desenvolve após semanas a meses de perdas crónicas e recorrentes de sangue, tanto em animais jovens como adultos. As causas mais frequentes de perda externa crónica de sangue são hemorragia gastrointestinal, infestações severas por parasitas hematófagos (tais como pulgas, carraças ou ancilostomídeos), hematúria, epistaxis, coagulopatia, trombocitopenia e trombocitopatia.

O diagnóstico de anemia por deficiência em ferro pode ser estabelecido laboratorialmente através da realização de vários testes:
  • Concentração de ferro sanguíneo
  • Capacidade total de fixação do ferro
  • % de saturação da transferrina
  • Ferritina
  • Outros testes (índices reticulocitários e aspirados de medula óssea)

A ferritina pode ser detectada no soro e tem uma boa correlação com as reservas de ferro no organismo; no entanto, o ensaio para medição da ferritina é espécie-específico e a sua disponibilidade em laboratórios de análises clínicas é ainda muito reduzida.

A medição da concentração de ferro é usada como uma maneira de avaliar as reservas de ferro no organismo. No entanto a sua utilização tem algumas limitações, uma vez que a sua concentração representa apenas uma pequena fracção do ferro total do organismo (<0,1%) e flutua rapidamente devido ao seu rápido “turn-over” ou presença de processos inflamatórios mediados por citoquinas.

A capacidade total de fixação do ferro é uma medição indirecta da transferrina, uma proteína de fase aguda negativa responsável pelo transporte do ferro.

A % de saturação da transferrina é um indicador da quantidade de transferrina que se encontra saturada com ferro e que, num animal saudável, é cerca de 33%.

As alterações destes três resultados devem ser interpretadas em conjunto. Assim, como forma de auxiliar o diagnóstico de anemia por deficiência em ferro, passamos a disponibilizar um painel de metabolismo do ferro que inclui a medição da concentração de ferro sérico, capacidade total de fixação do ferro (TIBC) e percentagem de saturação da transferrina, e que deverá ser solicitado na presença das seguintes indicações:
  • Quadro clínico compatível e história de perda de sangue externa ou parasitismo;
  • Anemia microcítica hipocrómica - hemograma com hematócrito, volume celular médio (MCV) e índices de concentração de hemoglobina (MCH ou MCHC) diminuídos;
  • Hipoproteinémia (diminuição da concentração sérica de albumina e globulinas, com rácio A:G normal).

Este painel permite estabelecer um diagnóstico de anemia por deficiência em ferro, ao mesmo tempo que fornece informação adicional sobre outros possíveis processos patológicos (tabela 2):

Tabela 2. Interpretação do painel de metabolismo do ferro Tabela 2. Interpretação do painel de metabolismo do ferro



Bibliografia consultada:

1 – Bohn AA. Diagnosis of disorders of iron metabolismo in dogs and cats. Vet Clin Small Animal 2013; 43:1319-1330
2 – Naigamwalla DZ, Webb JA, Giger U. Iron deficiency anemia. Can Vet J 2012; 53:250-256
3 – Weiss DJ, Iron and copper deficiencies and disorders of iron metabolism. In Schalm’s Veterinary Hematology 6th Edition. Wiley-Blackwell
4 – Iron metabolism [Internet] Available from: https://www.eclinpath.com/chemistry/iron-metabolism/
 

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